martes, 7 de julio de 2009

Quase Alba/Alba

Este é o relatório que tive que fazer para a mesma disciplina em relação ao documentário que tinhamos que presentar
A imagem como documento da vida quando está a começar

BOAS INTENÇÕES
O meu propósito nesta disciplina era fazer um documentário sobre as câmaras que filmam o feto e as cámaras domésticas que depois filmam os primeiros momentos duma pessoa, ou seja, mostrar a vida quando se está a formar dentro da mãe e como esta vida acontece meses depois, quando a mãe dá a luz.
HÁ MOTIVO!
Decidi escolher este tema de estudo porque eu sou tia por primeira vez na minha vida, o que quer dizer que fico fascinada com os primeiros meses de vida da minha sobrinha, com o seu mundo interior, que não posso chegar a conhecer mas que posso intuir pela sua forma de comunicar-se, embora ainda não tenha uso de palavra, porque ainda não tem aprehendido nenhum linguagem.
A um nível mais geral e portanto meos pessoal, também estava interessada em retratar os primeiros dias duma pessoa, os seus hábitos (dormir, comer, chorar, dormir, comer, chorar, tomar o banho, dormir, chorar, comer...), e ofacto de que sejam sempre ‘iguais’ para todos os seres, embora seja em contextos diferentes.
Acho que ao final resulta que não há tantas fronteiras entre os seres humanos como pode parescer. No caso de que as houvera, eu queria cruzá-las[1]. Não é essa uma das finalidades básicas da imagem etnográfica?
PÔR ORDEM NO CAOS
Eu pensei em estruturar o meu trabalho em duas partes: a primeira estaria dedicada à filmagem do feto mediante ecografias, ou seja, a imagem como método de controlo na ginecología quando a pessoa está a formar-se.
A segunda etapa ia estar centrada no que acontece quando a mãe dá à luz, ou seja, em como a vida, já iniciada nove meses antes no interior da mãe, é iniciada agora no exterior, e como ésta é filmada mediante videos domésticos que vão ser arquivos audiovisuais familiais para toda a vida, tanto a dos pais como a do filho ou filha que nesse momento ainda não tem memoria. O video comporta-se, então, como um substituto da memória.
O documentário conservó este mesmo esquema geral que eu tinha traçado, mas houveram muitos cambios no interior deste.
TRÁS O ARGUMENTO SEMPRE HÁ UMA HISTORIA
A primeira parte, dita ‘Quase Alba’, começa com a ecografia e uma música emotiva, empática, para evocar um universo poético e lindo que acho que faz pensar nesse inicio da vida. Foi, como eu tinha pensado, o tema principal do filme ‘Eternal sunshine of the spotless mind’, de Jon Brion.
A segunda parte começa com uma imagem das letras de Alba na entrada da sua habitação com a Alba nos braços da sua mãe em segundo plano, e o sonido do choro da Alba, para romper com o silêncio inicial. O choro seria, à sua vez, uma metáfora da ruptura com o silêncio do interior da mãe e a chegada ao mundo, num principio desconocido e extranho.
Depois alternei imagens das suas rotinas: dormir, chorar, comer, vestir-se, tomar o banho, chorar, dormir, comer, chorar, dormir, comer... mas eu não acabei com a imagem dos pais que afastam-se com Alba na rua, e que representaria a metáfora do começo da vida em sociedade, porque eu não gostei dessa imagem, porque não comunicava a messagem que eu queria. Ángela, a pessoa que ajudou-me com a montagem, e eu, decidimos, depois de muita discução, acabar com Alba a dormir, com os seus bonecos nos seus pés, porque achamos que é o que facemos a maior parte do tempo ao nascer. Que estaria a sonhar, meu Deus?
QUEM(S)
Alba e o seu mundo são os protagonistas desta pequena historia, deste pequeno documento. Ou seja: os pais, os seus ‘amigos’ (os seus bonecos), o seu berço, o seu carrinho, os braços da mãe, os braços do pai, os braços da tia, os braços dos avós, os braços dos amigos do pai, da mãe, da tía, do tío, dos avós, dos amigos do pai, da mãe, da tía, do tío, dos avós, os amigos dos amigos do pai, da mãe, da tía, do tío, dos avós... é assim sucessivamente.
Eu queria mostrar esto num tono cómico, mas ao final não foi assim porque rompia com a coherencia do estilo, e neste caso não era o adequado. Eu percatei-me disto só através da montagem, com ajuda dos olhos de Ángela, a minha ajudante, a quem estou sumamente agradescida por ter-me ajudado nesta pequena gran missão. Sem ela o resultado não tivera sido o mesmo.
A FORMA DO CONTENIDO
Queria mostrar o universo de Alba como algo lindo e poético, e também naïf. A tipografia dos títulos e dos créditos tem por esso um formato naïf.
Com o que respeita a imagem, eu queria (ab)usar do primeiro e primeríssimo primeiro plano para acercar-me a esse mundo interior que eu queria mostrar, embora for impossível chegá-lo a conhecer. Também usei capturas compridas na filmagem com a intenção de dar um tempo lento ao documentário, e uma montagem igualmente vagarosa, que convidara a observar. Além disso, deixei as datas que aparecem na filmagem do vídeo doméstico para que pareça que o é.
No que respeita ao som, eu tenho usado uma música emotiva: a que antes já nombrei (‘Eternal sunshine of the spotless mind’) e a famosa canção para crianças ‘Farolito’, interpretada por João Gilberto, que sirve de cerramento do documentário porque acompanha a Alba, que está a dormir, e as suas ensonhações, o último plano do ‘filme’.
A música é alternada com o som ambiente, cheio de silêncios longos que fazem referência à atmósfera maiormente silenciosa do mundo da Alba, mas que é truncada pelo choro dela quando tem fome, ou sonho, ou dores de barriga, ou por pequenas mostras de comunicação -tentativas à fala que não são senão balbuceios.
HERRAR É UMANO
Além dos ‘problemas’ de selecção do tema e das imagens (acho que a escolha é sempre o mais difícil, assim como decidir a estrutura que o filme vai seguir), tive problemas com a captura para fazer a montagem com o Adove Première. Ángela falou com uma amiga sua e moviu terra, mar e ar para conseguer mudar o formato, mas ao final não foi possível e algumas imagens estão ‘sujas’ por causa disso.
Pensei em comprar o programa que deixou-nos mudar o formato dalgunas, mas sendo estudante Erasmus a economia não dava, assim que finalmente optamos por fazer a montagem com o que tinhamos, já que não havia mais tempo porque Ángela voltava embora para Espanha. Esso ou nada? Esso. Desculpá-la.
O QUE NÃO SE ‘VÊ’ MAS...
Eu queria capturar, como diz David MacDougall, “the inexhaustible detail of the visible”, registar “the unique detail”, aquilo que se esconde atrás do geral é que marca a diferença entre as pessoas, mas tendo en conta que apesar dessa diferença há alguma coisa que faz de laço de união entre os humanos (a repetição e a rememoração, o mundo interior vs. mundo exterior, a mãe, o pai e o filho...).
Eu queria, portanto, cruzar essa fronteira, esse límite, fazer de medianeira com o que é estranho para fazé-lo compreensivel, e desafiar as barreiras provocadas por o que nos parece pouco familiar[2] ao mesmo tempo que fazer uma homenagem de por vida para Alba.
O seu universo, como temos dito, está feito de silêncios e de paz, mas também de confusão, de dor (de barriga, por exemplo) e de barulho e palavras que ela não sabe que são palavras, e que fazem a pessoa estar no mundo exterior, sempre em conflito.
Mas o mundo interior de Alba, qual é? Quê está ela a perceber do mundo (e todos nosotros ao nascer)? Como é que ela (e toda a humanidade) comunica-se quando ainda não sabe pensar, quando ainda não tem palavra? Somos só seres racionáis ou há alguma coisa mais, as vezes imperceptível, mas quê está ‘lá’, já no comportamento das crianças, no seu universo?
Eu perguntei-me isso ao fazer este documentário. Não sei se respondi.
[1] “If the images of films often defy the ‘culture concept’, the transculturality of cinema should not finally be taken as a new key to human universals, but rather as a provocation”. David MacDougall.

[2] É por isso que o filme etnográfico é considerado transcultural, como diz MacDougall: porque faz-nos recordar que a diferença cultural é um conceito volúvel basado em preconceitos. Porque o diferente pode ser mais semelhante do que pensamos.
Junho 2009'

Cruzar a fronteira (da Antropologia Visual)

Trabalho realizado pela disciplina "Filme Etnográfico".
Professora: a realizadora Catarina Alves Costa


“If the images of films often defy the ‘culture concept’, the transculturality of cinema should not finally be taken as a new key to human universals, but rather as a provocation”.
David MacDougall

Cruzar a fronteira. Essa é a finalidade última da imagem etnográfica. Chame-se ‘transculturalidade’, ou antropología visual do particular, da que fala David MacDougall no seu artigo ‘Transucltural cinema’, escrito no ano 1992, o filho condutor desde comentario de texto.

Segundo o autor, o particular, o pormenor, é o que a fotografía tem querido capturar desde sua aparição, ao igual que o cinema. Capturar “the inexhaustible detail of the visible”, em palavras do autor, registar “the unique detail”, aquilo que se esconde atrás do general é que, por tanto, destaca a diferença.

O que o filme etnográfico pretende é, como temos dito, cruzar essa fronteira, esse límite, fazer de medianeiro com o que é estranho para fazer-o comprensivel, e desafiar essas fronteiras provocadas por o que nos parece pouco familiar. É por isso que o filme etnográfico é considerado transcultural, porque faz-nos recordar que a diferença cultural é um conceito volúvel basado em preconceitos, porque o diferente pode ser mais semelhante do que pensamos, o melhor dito, do que creemos.

Para defender esta ideia, MacDougall fala-nos primeiro da diferença entre o texto antropológico e a imagem etnográfica, ou seja, entre as imagems e as palabras. Ele diz que se diz que os textos fazem a pessoa que não vemos mais estranha do que é porque o leitor está à imaginar na sua cabeça à essa pessoa, e também que,

“in presenting the particular, etnographic writing elides or limits many sensory details that might shock or repel us if we were to confront them directly” (p. 246).

Ou seja, que há coisas que se escapam as palavras, como são as sensações, a diferença das imagems, que mostram sempre aspeitos gerais onde o concreto é contido. O que Sapir chama, segundo MacDougall, “the more intímate structure of culture” (p. 262).

Além disto, ele afirma que imagems e palavras estão a descrever as duas a mesma coisa, ou seja, a natureza humana da mesma maneira. De este modo, a imagem, já seja mostrada na televisão ou nas revistas e na literatura da viagems, exalta as divergências com ‘os outros’ porque nós vemos o corpo, a vestimenta, os adornos e a forma de vida, que contrasta com a nossa porque se exalta o exótico. É o que tem acontecido sempre en quanto que a antropología tem querido geralizar comportamentos e formas de pensar:

“In anthropology, writers therefore tend to favor the categorization rather than the detailed description of their observations” (p. 247).

É a representação da diferença, por tanto, ou que a nova imagem está a desafiar, en quanto que esta imagem é o que nos vemos lá fora mas, que é o que está no fondo, atrás de esta visão naif da existencia, muitas vezes invisível? Que é o que nós temos que deixar desaprender para voltar a perceber duma nova maneira, e adquirir assim o que Ashis Nandy chama ‘an alternative social knowledge’ (p. 255) ?

Mas a imagem sozinha não nos fala das outras culturas, segundo MacDougall, sino também, e muito mais, as vozes, as conversações ouvidas nessos filmes, ou seja, o linguagem. A imagem pode comunicar-nos muitas coisas sobre os outros, mas esso que mostra-nos tem mais a ver com objeitos visíveis, já sejam adornos, formas arquitetónicas, tecnologias, artefactos ou costumes folklóricas, não com o que as pessoas têm dentro, nas suas mentes, é que forma parte do carácter pessoal, mais que do cultural.

“Photographs and silent films were dumb when it came to language, and almost equally useless for studying other symbolic systems such as kinship and ritual. They were even less helpful in documenting values and beliefs”. (p. 255).

Por tanto, o avance no filme etnográfico chega quando o som aparece, quando podemos ouvir as pessoas a falar, porque “a fala tem qualidades físicas”. É por essa ração que a antropología mais actual põe emfasis na identidade pessoal, na gestualização corporal e no importante papel que jogam os sentidos e as emoções nossa conducta, por encima de nosso condicionamento cultural.
Os filmes podem enregistrar isso, en quanto que os textos antropológicos centram-se mais em formas de organização sociais, embora ambos linguagems tratem de ‘elementos transculturais’.
En palavras de MacDougall, “Images and writen texts not only tell us things differently, they tell us different things” (p. 257). E para que? Para conscienciar, mas no sentido de dar a conhecer para perceber, duma forma não só intelectual mas também sensorial, aquello que parecía estranho mas que agora não o é tanto.

Esto quer dizer que os filmes etnográficos falam da primeira pessoa, do actor social, do individuo no seu contexto. Por tanto, filmes deixam, como temos dito, a cultura num segundo plano, e pôem a pessoa, a sua autonomía e as suas relações, no primeiro, captando a complexidade inherente na natureza humana é invitamdo-nos a alcançar o ‘outro’ conhecimento, que tem mais a ver com a ambigüedade do comportamento humano que só se ve em determinados momentos. Essos momentos são os que a cámara pode captar de forma mais fiel, embora sejam também uma construção, um discurso, como os textos.

Por tanto, os filmes etnográficos podem recrear contextos sociais particulais e construir um discurso dramático com eles, uma narrativa etnográfica comprometida com creenças políticas e morais, en quanto que estos fazem ao espectador partícipe do que éste está a ver.

A antropología visual pode ser, além desto, muito mais fidedigna que a textual porque abarca muitas disciplinas, e pode fazer esso porque antes ‘rompiu’ com a ideia dum único discurso (antropológico), a saber, o discurso evolutivo. Assim, antropología da imagem incluye o mundo físico, o mundo social e o mundo estético, porque estão ligados entre si: “The transculturality of filme not only has intercultural but interdisciplinary implications” (p. 262).

O que MacDougall está a dizer é que a imagem encontra o que temos de parecido com outras culturas, o que é um desafio as clasificações que vem fazendo a Antropología desde a sua aparição, o conceito de cultura que tem sido defendido por muito tempo. Esta nova etnografía põe atenção na cooperação com os outros em contraposição ao observador omnisciente. Esse ‘encontro’ é a transculturalidade.

A transculturalidade é um ‘artefacto’ da comunicação, das relações entre as pessoas, pertanham ao mundo que pertanham, e dos movimentos que estas relações trouxem consigo. Os antropólogos têm que mudar , ou mais que mudar, ampliar as suas investigações, que analizam os aspeitos culturais, no análisis da ‘experiência corporal’, como diz o autor a propósito de outro autor, Csordas (p. 265), e que tem a ver com as posturas, com as formas de expressão física, e que tem a ver, mais não sempre, com a forma de pensar.

O outro problema do antropólogo para conhecer ao ‘outro’ é que estuda a outra cultura desde a sua visão, en vez de poer-se em a pele (perceba-se, na mente) dos ‘outros’, como diz Asad (p. 265), embora a traslação cheve implícita a creação de diferença. A propósito desto, o autor opina que há muitos aspeitos da experiencia social que não podem ser traduzidos, e que o antropólogo e o filme, en tanto que é realizado por alguém, são sempre intermediarios entre o campo estudado e a audença.

A imagen tem a ventagem sobre o texto en quanto que esta é muito mais flexivel, muito mais creativa e aberta, e além disso ela tem o poder de evocação que as palavras não tem (ou que não tem tanto como a imagem). O que esto quer dizer é que as imagems evocam diferentes significados e funções segundo o objeito que dão a ver.

Mesmo assim, a imagem tem sempre consigo connotações para o espectador, é por esso é ambigua: porque pode ser interpretada de maneras diversas, segundo quem esté delante do filme e do objeito que está a mostrar. É, en palavras do autor, o que Ivo Strecker denomina ‘the turbulence of images’ no relato etnográfico, a metáfora da visão ‘understanding-as-seeing’, ou que quer dizer que perceber é ver, experimentar, desvendar o que está oculto:

“The point here is that metaphor is not only a feature of cognition and language but extends into visible social practice. This can be seen in the use of metaphorical gestures (McNeill and Levy 1982), in the ‘interaction rituals’ of everyday life (Goffman 1967), and in the enactment of ‘social dramas’ (Turner 1981). Film conveys this complex in its interrelations, tying together the world of image, word, and action –resembling what Stephen Tyler calls an ‘interactionist view of thought’ that combines its verbal (acoustic), visual, and kinaesthetic dimensions” (p. 269).

Descobrir o que está oculto e cruzar a fronteira mediante a representação do que não se diz, embora estei sempre ‘alí’, entre as pessoas. Não é essa a missão no só da imagem etnográfica, mas também da Antropología?
17/04/2009